Introdução
Essa pesquisa trata das emissões de moedas de cobre para o Brasil no contexto do governo de D. João V. Durante esse período foram feitas as primeiras emissões de moedas diretamente para o Brasil, bem como foram cunhadas as primeiras moedas de cobre no Brasil. Apesar de seu reinado ter começado em 1706, é a partir de 1715 que começou-se a fabricar moedas de cobre. Essas primeiras moedas ainda correspondiam ao padrão de emissão estabelecido em 1693, quando foram emitidas as primeiras moedas de cobre especialmente para colônias portuguesas. Esse padrão correspondia a 5 Réis por oitava de cobre (unidade de peso equivalente a 3,586 g).
Também estabeleceu-se um padrão de design e uma regularidade nas emissões, que, embora já significativas na primeira metade do século XVIII, tomariam uma proporção bem maior na segunda metade.
Os primórdios da Casa da Moeda do Brasil
A fundação da Casa da Moeda está profundamente ligada à grande escassez de numerário nas capitanias brasileiras, o que é bastante presente nas comunicações oficiais ao longo do século XVII. Também está profundamente relacionada a um momento histórico de modernização do meio circulante, que passou a incorporar elementos de segurança como a serrilha e ser fabricado de forma mais regular com o uso do balancim*1. Um terceiro fator relevante consistia na variação do valor dos metais, com diversos ajustes aos valores das moedas a partir da carimbagem, gerando um conturbado cenário no final do século XVII.
Em 1692, após diversos pedidos similares feitos por diversos membros do governo português na américa, em correspondência com o Rei D. Pedro II, o governador do Brasil Câmara Coutinho sugeriu a cunhagem de 2 milhões de moedas provinciais que seriam distribuídas pela Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro*2, projeto que geraria a fundação da Casa da Moeda na Bahia em 1694*3.
Esperava-se que as Províncias necessitadas de meio circulante enviassem o metal a ser amoedado para a Bahia*4. No entanto, os membros da Câmara do Rio de Janeiro, com o apoio do Governador da Capitania, resistiram ao envio do pouco meio circulante disponível*5, diante da qual estabeleceu-se a possibilidade de se enviar a estrutura da Casa da Moeda ao Rio de Janeiro*6, inclusive com a coroa abrindo mão de seus direitos reais (senhoriagem e brassagem)*7, o que acabou virando a prática, com a transferência da Casa da Moeda para o Rio de Janeiro por um período de um ano, após o qual foi enviada para Pernambuco em 1700 e retornou para o Rio de Janeiro em 1703, onde se estabeleceu de forma definitiva, amoedando principalmente o ouro arrecadado com o quinto.
A Casa da Moeda da Bahia, no entanto, não foi reaberta na primeira década do século XVIII, embora isso já fosse discutido desde ao menos 1706*8, diante da necessidade de amoedação do ouro proveniente das Minas. É em 1714*9 que se ordena que volte a funcionar*10, desta vez paralelamente a do Rio de Janeiro. No entanto, conforme esperado diante do propósito da reabertura, limitou-se inicialmente a trabalhar com o ouro, não retornando imediatamente à amoedação presenciada anteriormente em prata .
A moeda de cobre no Brasil
Ocupando um papel importante nas transações diárias, a moeda de cobre que circulava no Brasil até o século XVIII era a mesma usada em Portugal, que teria a sua circulação proibida somente em 1730*11. No entanto, o Rei D. Pedro II autorizou em 1704*12 o curso das moedas de cobre cunhadas para Angola no Brasil. Essas moedas, conforme já mencionado, estabeleceram um padrão de emissões que, com algumas alterações, perdurou até a metade do século XIX.
Em 1715 foram emitidas as primeiras moedas de cobre para o Brasil. Essa emissão consistiu em moedas de X e XX Réis cunhadas na Casa da Moeda de Lisboa entre 1715 e 1720. Uma parte, se não o total, das moedas emitidas em 1715 foi enviada ao Rio de Janeiro, de onde um sétimo do que ali foi recebido partiu para Santos*13. Em 1721 há outra menção ao envio de moedas dessa emissão a Santos, nesse caso 8 barris com 2:520$000 ao total*14. Sobre a destinação específica de outros anos dessa emissão nada mais se tem registrado.
Uma pequena parte das moedas de X Réis não apresenta data. Embora alguns autores afirmem que essa emissão seria anterior a 1715*15, a análise dos cunhos indica que teriam sido feitas entre 1715 e 1718. Isso porque três dos cunhos de reversos usados nos X Réis sem data foram usados em 1718, estando mais desgastados nas cunhagens de 1718, conforme apresentado na imagem 5. Embora não exista compartilhamento de cunhos com 1715, um dos cunhos apresenta o estilo do pé esfera que aparece em 7 dos 24 reversos de 1715, mas não aparece em outras datas. Por último, um dos anversos sem data possui losangos no diadema, característica que só aparece em moedas posteriores a 1718.
Essas primeiras moedas emitidas em Lisboa inauguraram um padrão de design que, também com algumas alterações, seria seguido até a independência. O anverso deste design consiste na presença do valor no centro do campo, logo acima da data, estando ambos abaixo da coroa real e envoltos por um cordão de pérolas, com a legenda em latim indicando o nome do governante, seu título e o território de seu domínio. Já o reverso tinha uma esfera armilar envolta pela legenda “PECUNIA TOTUM CIRCUMIT ORBEM”, que se traduz em "o dinheiro circula por todo o mundo”*16.
A emissão seguinte seria feita especialmente para Minas, representando um ponto fora da curva, visto que apresentava o dobro da razão das emissões anteriores, sendo nesse caso de 10 Réis por oitava de cobre (unidade de peso equivalente a 3,586 g). Essa emissão parece ter sido feita na data de face, 1722, mas só foi posta em circulação muitos anos depois, pois, por alguma razão, teria tido seu envio cancelado antes de 1724*17, permanecendo em Portugal até 1730, quando finalmente foi remetida*18.
Outra questão que torna essa emissão diferente da anterior e das que ainda viriam é o design das moedas. De forma geral, esse pode ser considerado mais similar ao design da emissão feita no reinado de D. Pedro II para Angola, pois ao anverso possui ao valor facial envolto por uma cartela de ornamentos, com a data ao topo e uma “metalegenda”. Nas emissões de 1693 a legenda era “MODERAT SPLENDEAT USU” - “brilhará com o uso oderado”*19. Já na emissão de 1722 a legenda era “AES USIBUS APTIUS AURUS” - “o cobre é mais apropriado que o ouro”*20 - legenda que está associada ao contexto de circulação nas Minas. Nas duas, o reverso apresenta um escudo coroado ocupando o centro do campo, com a legenda ao redor indicando o nome do governante, seu título e o território de seu domínio.
A provisão de 7 de fevereiro de 1730 menciona que o valor de toda a remessa seria de 12.226.140 Réis. Considerando a proporção de peso também mencionada (7.075 arrobas de moedas de 40 Réis e 4.052 arrobas de moedas de 20 Réis), é possível chegar à estimativa de que 222.613 moedas de 20 Réis e de 194.347 moedas de 40 Réis*21.
Voltando um ano, em 1729 temos a primeira emissão de moedas de cobre no Brasil, na Casa da Moeda da Bahia. O estilo de design é bastante similar ao da primeira emissão feita na Casa da Moeda de Lisboa nesse mesmo reinado, com a ausência do arco central na coroa.
Embora a Provisão Régia de 12 de abril de 1729 seja mencionada em dois outros dispositivos como sendo a responsável por determinar a cunhagem dessas moedas, não foi encontrada em sua integralidade. De qualquer forma, uma parte relevante de seu conteúdo está transcrita, visto que duas cartas*22 trazem o conteúdo do dispositivo, que indica que o Conselho Ultramarino teria enviado 11$307:087 Réis de cobre para ser amoedado na Casa da Moeda da Bahia, que, depois de cunhado, deveria ser remetido ao Provedor Mor da Fazenda do estado do Brasil para que este remetesse a mesma importância em ouro para a coroa. Embora a quantia relatada indique que o cobre foi enviado em chapas, o provedor da Casa da Moeda da Bahia indica ao rei em carta de agosto de 1730 que já haviam sido cunhados 24.000 Cruzados (9$600:000 Réis), mas que em abril a cunhagem já havia sido paralisada por falta de espaço para o armazenamento do cobre cunhado. A respeito dessa emissão, há um registro de 20 de abril 1730 que foi transcrito na em 20 de junho de 1730 pelo escrivão da conferência que relata que o seguinte:
“Foi sua majestade (...) servido mandar por provisão sua de doze de abril do ano passado de mil, e setecentos, e vinte nove, se cunhacem nesta caza da moeda onze contos, trezentos e sete mil, oitenta, e sete reiz de cobre, o qual se remeteo pello conselho ultramarino para esta caza, e que depois de lavrado o dito cobre em moeda, a mandace entregar ao provedor mor da fazenda deste estado para elle remeter a sua emportancia em moeda douro; e porque se achão cunhados vinte, e quatro mil cruzados, de que mandey dar parte ao dito provedor mor para que o mandace receber, e elle ordenase ao tezoureuro geral recebece, o que este a prezente não tem feito, e eu não posso continuar a cunhar o mais por não ter a donde o por, o que faço a vossa Excelencia prezente para que ordene ao tezoureyro geral receba o cobre que esta cunhado para fazer a remeça a sua majestade (...), na forma que o dito senhor ordena. Vossa Excelência mandará o que entender mais conveniente à Real Fazenda.”
Por sua vez, esse registro está anexo à carta escrita pelo Provedor Mor da Casa da Moeda da Bahia em 14 de agosto de 1730, que traz o mesmo relato. Um segundo documento (Doc. 3530 - 1731, Junho, 20, Bahia - AHU_ACL_CU_005, Cx. 39. D. 3530) explica que “A cauza porque o tezoureiro geral não recebeo o cobre, que o Provedor da Caza da Moeda disse (...) se achava cunhado, foi por não ter donde o recolher, representandome que na mesma cazza se devia conservar, donde o hiria recebendo aos barris para sehir trocando nos pagamentos que fizesse”.
A casa da moeda da Bahia continuou emitindo moedas de cobre até 1732, ano em que se terminou a produção com uma quantidade relativamente pequena de moedas cunhadas, sendo essas apenas de X Réis*23.
Em 1735 e 1736 a Casa da Moeda de Lisboa fez uma nova emissão de moeda provincial com uma pequena alteração de design, a inclusão do arco central na coroa, que continuaria presente em emissões seguintes. Sobre a produção e distribuição dessas moedas nada se sabe, não constando nada sobre ela em correspondências oficiais ou outras fontes primárias. O mesmo vale para as moedas de X e XX Réis de 1746 também emitidas em Lisboa para o Brasil, que por sua raridade permitem presumir que foram produzidas em quantidades ainda menores que as da década anterior.
A Casa da Moeda da Bahia faria uma nova emissão em 1746, com mais moedas emitidas em 1747. Embora especificamente sobre essa emissão também não exista documentação, a Carta do Provedor da Casa da Moeda da Bahia ao rei (20 de agosto de 1747) é bastante esclarecedora sobre as emissões ali feitas durante o governo de D. João V. Isso porque esse documento aponta o seguinte:
“Nesta Caza da Moeda se acha somente o abridor de ferros Jozé Marquez, que veyo dessa corte no anno de mil setecentos e quatorze, e até o prezente tem servido a V. Mag. no dito officio com grande satizfaçam, e honrrado procedimento. Sendo perito, e prefeito official, se acha com mais de setenta annos, e os ataques da vilhice, e de prezente padece hum defluço que lhe ameasa perigo, e se faltar da vida prezente experymentará esta caza prejuizo por nam haver nesta cidade outra pessoa que possa servir o dito officio e ser este muy precizo e necessario p.a as cazas da moeda, o que faço prezente a V. Mag.e para que sendo servido mande vir deste reino algum official que possa servir de ajudante do dito abridor enquanto ele viver, e por sua morte ficar em seu lugar, como se pratica com os maiz ofícios de ensayador, fundidor, fiel, e serralheiro, que todos estez tem ajudantez e lhe sam muito necessarios para servir nas suas molestiaz, e impedimentos: V. Mag.e mandrá o que for servido. Bahia, 20 de agosto de 1747.”
A leitura desse dispositivo não deixa dúvida de que Jozé Marquez foi o principal, se não o único, gravador da Casa da Moeda da Bahia durante o reinado de D. João V, sendo responsável por todas as emissões de cobre conhecidas, o que é corroborado pelo estudo dos cunhos, que apresentam características comuns, como o pé da esfera tendo como elemento inferior uma base trifurcada que se reúne na parte inferior, linhas latitudinais mais grossas que as longitudinais, e círculo de pérolas com aparência achatada, aquadradada. Cabe ainda mencionar que essa emissão adotou o estilo da anteriormente mencionada, com a presença do arco central da coroa.
Um ponto importante dessa emissão é que parte das moedas emitidas em 1729 não possuíam a letra monetária B, sendo tal fato constante fonte de confusão para a comunidade numismática, que em seu todo afirma que essas moedas sem letra monetária seriam de Lisboa*24. Fato é que o compartilhamento de cunhos caminha na mesma direção da análise estilística apresentada no parágrafo anterior, com o uso de cunhos de reverso com e sem letra monetária junto de um mesmo anverso.
Assim como o Estado do Brasil no fim do século XVII, o Estado do Maranhão e Grão-Pará sofria na primeira metade do século XVIII com uma grave carência de moeda metálica, inclusive com a circulação de bens como o açúcar no lugar da moeda metálica, tão grave era a situação*25. Embora a circulação da moeda portuguesa já tivesse sido proibida no Brasil em 1730, lá ela ainda poderia circular, mas claramente não era suficiente. Para solucionar a situação, D. João V determinou através da Carta Régia de 10 de setembro de 1748 que “corra naquelle Estado a moeda de ouro, prata, e cobre do mesmo valor e cunho da moeda provincial do Brazil de baixo das mesmas prohibições, e penas impostas contra os que a extrahirem da America”. Assim, em 1749 foi cunhada em Lisboa uma série de moedas destinadas a essa província, dentre as quais moedas de cobre de XX, X e V Réis, configurando essa a primeira emissão de moedas de V Réis para o Brasil. Essa série se resume às moedas emitidas nesse ano, cabendo mencionar que Prober afirma que os cunhos foram gravados por Bernardo Jorge e Domingos Marques Quaresma*26.
Conclusões
A partir do que foi apresentado é possível concluir que a emissão de moedas de cobre no reinado de D. João V não foi capaz de saciar as necessidades de moeda metálica do Estado do Brasil e do Estado do Grão-Pará, mas conseguiu amenizar, em algum grau, a situação calamitosa que existia no final do século XVII. Apesar de não sanar tal problema, esse período foi responsável pelo estabelecimento de um padrão de design que duraria pelos próximos 70 anos, além da confirmação de um padrão de peso que duraria, com algumas alterações, até a segunda metade do século XIX. Parte da explicação para a permanência do déficit de troco parece estar associada à posição que a amoedação do ouro recebeu nas atividades das Casas da Moeda brasileiras durante a primeira metade do século XVIII, sendo a produção de moedas de prata e cobre secundariza.
Img. 1 - 400 Réis - D. João IV - 1640-1656 - Casa da Moeda de Lisboa - Imagem: Heritage Auctions |
Img. 2 - 400 Réis - D. João IV - 1696 - Casa da Moeda do Porto - Imagem: Heritage Auctions Ilustra o contraste entre a cunhagem manual (img. 1) e mecânica, exemplificada nesse exemplar. |
Img. 4 - XX Réis - D. João V - 1719 - Casa da Moeda de Lisboa Ilustra a primeira emissão de moedas para o Brasil, sendo esse o último ano de emissão de moedas de XX Réis. |
Img. 5 - X Réis sem data e de 1718 que compartilham reverso |
Img. 6 - XL Réis - D. João V - 1722 - Casa da Moeda de Lisboa para Minas Imagem: Maier Gilbert |
Img. 8 - X Réis - D. João V - 1747 - Casa da Moeda da Bahia - Imagem: Leiloeiro Antonio Ferreira |
Img. 9 - XX Réis - D. João V - 1736 - Casa da Moeda de Lisboa - Imagem: Tenor e Pellizzari Leilões |
Img. 10 - XX Réis - D. João V - 1749 - Casa da Moeda de Lisboa Imagem: Tenor e Pellizzari Leilões |
Img. 11 - XL Réis - D. João V - 1749 - Casa da Moeda de Lisboa - Imagem: Maier Gilbert |
Para citar esse texto:
PUPERI, Giovanni Miceli. Moedas de cobre no auge do ouro. Movimento Numismático, Rio de Janeiro - Manaus, Anno.1 - Edição 02, p.07-21, 2023.
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